No
ano de 1860 o Estado Italiano, que caminhava para unificação, se apoderou de
todos os domínios do Papa, menos Roma. A cidade continuava a ser protegida
pelas tropas francesas de Napoleão III. Como resposta aos novos tempos de
revolução o Papa Pio IX aprovou o documento “Sílabo de erros” (1864),
denunciando os grandes malefícios da modernidade: a democracia, o socialismo, a
maçonaria e o racionalismo.
Seguindo
na trilha do reacionarismo clerical, em 1870, o concílio Vaticano I estabeleceu
o dogma da infalibilidade do Papa. Este,
como legítimo representante de Deus na terra, estaria imune aos erros humanos.
No entanto, antes que o Concílio chegasse ao fim, as tropas francesas foram
obrigadas a abandonar Roma para defender sua própria capital, ameaçada pelos
prussianos. Imediatamente o exército italiano entrou na cidade, unificando
finalmente o país. Ao papado coube apenas o pequeno território: o Vaticano.
Pio
IX recusou qualquer acordo com o governo italiano e pregou a abstenção política
dos católicos. O ambiente clerical se tornou cada vez mais reacionário. As
pazes entre o Vaticano e o Estado Italiano só pode ser estabelecida com a
ascensão do fascismo ao poder em 1922. Em fevereiro de 1929 o papa Pio XI
firmou com Mussolini o Tratado de Latrão, através do qual o catolicismo voltava
a ser a religião oficial e o Estado passava a aceitar os casamentos religiosos.
A Santa Sé também expandiria sua soberania para outros prédios e igrejas de
Roma, além do Palácio de verão em Castel Gandolfo. O fascismo italiano ainda
pagaria uma indenização pelos territórios e propriedades expropriados durante o
processo de unificação italiana. Assim, o Santo Padre pode se referir a
Mussolini como “um homem enviado pela Providência”.
Pelo
Tratado de Latrão, os católicos deveriam se abster da política, especialmente
de uma política autônoma que se contrapusesse ao governo fascista. A
consequência imediata deste acordo foi o fechamento do Partido Popular
(católico) e o exílio de seus principais líderes. Enquanto o Papa e os
fascistas comemoravam, dezenas de milhares de italianos, muito deles católicos,
padeciam sob torturas nas inóspitas prisões do regime.
Hitler,
ainda sonhando com o poder, rejubilou-se com as boas novas vindas de Roma.
Escreveu ele: “O fato de que a Igreja Católica chegou a um acordo com a Itália
fascista (...) prova que além de qualquer dúvida que o mundo das ideias
fascistas é mais próximo do cristianismo do que o liberalismo judeu ou mesmo o
marxismo ateu, a que o Partido do Centro Católico se considera tão ligado”. O
Tratado de Latrão foi o primeiro torpedo dirigido contra os liberais e
democratas católicos da Itália e da Alemanha.
Quando
Mussolini invadiu a Etiópia, em 1935, o Vaticano não protestou e o alto clero
italiano, sem amarras morais, exultou com a aventura colonialista. Um bispo
declarou: “Ó Dulce, a Itália hoje é fascista e os corações de todos italianos
batem junto com o seu!”. “A Nação está disposta a qualquer sacrifício que
garanta o triunfo da paz e das civilizações romana e cristã”. Enquanto isso
armas químicas caiam sobre as cabeças da indefesa população etíope.
Em
novembro de 1918 os operários alemães, seguindo o exemplo de seus camaradas
russos, derrubaram o seu Imperador e fundaram uma República Democrática, que
chegou mesmo a se anunciar como uma República Socialista. Mas, a capitulação da
direção do Partido Social-Democrata Alemão frustrou os sonhos dos
revolucionários. Em Munique um dos principais líderes era Eisner que, em
fevereiro de 1919, seria brutalmente assassinado por ativistas de
extrema-direita. A resposta do governo socialista ao crime foi o endurecimento
com os setores contra-revolucionários, no qual se incluía a cúpula da Igreja
Católica. Neste quadro conturbado o Núncio papal Eugênio Pacelli, futuro papa
Pio XII, foi obrigado a estabelecer delicadas negociações com o novo governo
democrático e socialista.
Assim
ele descreveu o seu primeiro encontro com os operários e as operárias
socialistas: “A cena no palácio era indescritível, o prédio, outrora a
residência de um rei, ressoava com gritos, uma linguagem vil e profana. No meio
de tudo isso, um bando de mulheres, de aparência duvidosa, judias como todos
ali, refastelava-se em todas as salas, como uma atitude devassa e sorrisos
sugestivos. Quem mandava nessa turba feminina era a amante de Levien, uma jovem
russa, judia e divorciada. Foi a ela que a Nunciatura teve de prestar sua
homenagem, a fim de prosseguir sua missão”. O dirigente socialista Levien não
lhe causou melhor impressão: era “russo e judeu” “pálido, sujo, olhos de
drogado, voz rouca, vulgar, repulsivo”. Assim a Igreja católica via os
representantes do proletariado alemão.
No
auge da República de Weimar, os católicos representavam 1/3 da população alemã
e tinham uma força política ainda maior. A Juventude Católica possuía mais de
1,5 milhões de membros e existiam 400 jornais católicos diários. O tradicional
Partido de Centro Católico era o segundo maior do país, perdia apenas para o
Partido Social-Democrata Alemão. Era nele que, até então, a grande burguesia
desaguava seu dinheiro e voto contra o socialismo. Após a grande crise do
capitalismo de 1929, a Alemanha teve sua economia desorganizada. Aumentou a
radicalização política. Visando derrotar o movimento operário e socialista, a
grande burguesia monopolista muda de aliado, abandona os católicos e passam
agora a jogar suas fichas nos nacional-socialistas liderados por Hitler.
Já
nas eleições de 1930, o Partido de Centro perdeu espaço para os nazistas, que
passaram a ser a segunda força eleitoral. Naqueles dias ainda eram duros os
embates entre os centristas católicos e os nazistas. Vários padres, com
anuência dos bispos, proibiam os nazistas frequentar as igrejas enquanto
fardados, no entanto, esta resistência estava prestes a desaparecer. Sob a
cabeça dos católicos alemães, o Vaticano tecia sua pérfida trama. Em janeiro de
1933 Hitler assumiu o poder. Estavam dadas as condições para que se
estabelecesse uma concordata com o Reich alemão do mesmo tipo que fora assinada
com o governo fascista da Itália.
Para
testar sua força, uma das primeiras medidas do governo nazista foi apresentar
um projeto de Lei de Exceção, através do qual Hitler ficava autorizado a
aprovar leis sem consultar o parlamento. Vários dirigentes do Partido de Centro
resistiram em dar carta branca ao novo governo. Então o Vaticano entrou no jogo
e pressionou para que eles votassem favoravelmente, pois esta era uma das
condições para a assinatura da concordata. Apenas os socialistas e comunistas
votaram contra a lei de exceção. Estava aberto o caminho da ditadura nazista,
com a benção de Roma.
Em
julho daquele mesmo ano, Pacelli, em nome de Pio XI, assinou a concordata com o
governo nazista. A partir de então a Igreja Católica e todas as suas
organizações deveriam se afastar de qualquer de ação política e social. Em troca o papado poderia impor suas leis
canônicas a todos os católicos alemães, além de receber privilégios espaciais
para o clero e suas escolas. Naquele mesmo mês, como aconteceu na Itália, o
Partido Católico se dissolveu e muitos de seus líderes seguiram o caminho do
exílio. A repressão aos católicos militantes continuou duríssima, com
espancamentos e internações em campos de concentração. Muitos acabaram sendo
assassinados ao lado de comunistas e judeus.
Um
ex-chanceler centro-católico chegou a afirmar que por trás daquela concordata
estava Pacelli, que visualizava “um Estado autoritário e uma Igreja autoritária
dirigida pela burocracia do Vaticano, os dois concluindo uma eterna aliança.
Por esse motivo, os partidos parlamentares católicos eram inconvenientes, sendo
extintos sem qualquer arrependimento”.
Portanto não se tratava mais de barrar apenas o perigo comunista e sim
abolir a própria democracia liberal. Logo após a concordata, o Führer afirmou
orgulhoso: “só se pode considerar isso como uma grande realização. A concordata
proporcionará uma oportunidade à Alemanha e criará uma área de confiança
bastante significativa na luta em desenvolvimentos contra o judaísmo
internacional”. Continuou: “O fato de o Vaticano estar concluindo um tratado
com a nova Alemanha significa o reconhecimento do Estado nacional-socialista
pela Igreja Católica. Esse tratado comprova para o mundo inteiro, de maneira
clara e inequívoca, que a insinuação de que o nacional-socialismo é hostil à
religião não passa de uma mentira”. Todas as barreiras de ordem moral, que
separavam nazistas e católicos, foram minadas pelo Vaticano.
Em
abril de 1933 começaram as primeiras perseguições massivas contra a comunidade
judaica, através do boicote aos seus estabelecimentos comerciais e
espancamentos de judeus por tropas das SA. A primeira resposta dos líderes
máximos da Igreja alemã foi: “Os judeus que ajudem a si próprios”. Sem dúvida, uma frase muito cristã. Durante a
Guerra Civil na Espanha, em 1936, Hitler se encontrou com o Cardeal Faulhaber,
de Munique. A pauta era a ameaça representada pelo comunismo. O Cardeal deu sua
impressão sobre o amistoso encontro com Sr. Hitler: “O Führer possui uma
habilidade diplomática e social melhor do que um soberano nato. Não resta a
menor dúvida de que o chanceler vive com a fé em Deus. Ele reconhece o
cristianismo como base da cultura ocidental”. Em seguida elaborou uma carta
pastoral que foi lida nas igrejas alemãs, nela pregava a cooperação entre
católicos e nazistas contra o comunismo ateu.
No
final de 1938 estourou a violência contra os judeus. Numa única noite de
novembro, a “noite dos cristais”, mais de 800 deles foram assassinados, 26 mil
enviados para campos de concentração, centenas de Sinagogas e estabelecimentos
destruídos. Depois deste dia fatídico os judeus foram obrigados a portar a
estrela de David nas roupas. Enquanto o holocausto judeu dava seus primeiros
passos na Alemanha, Pacelli assumia o trono pontífice. Quatro dias depois
escreveu à Hitler: “Ao ilustre Herr Adolf Hitler, Führer e Chanceler do Reich
Alemão! No início do nosso pontificado, desejamos lhe assegurar que
permanecemos devotados ao bem-estar do povo alemão confiado a sua liderança”.
Nenhuma admoestação em relação à repressão contra os judeus e setores de
oposição, nos quais se incluíam vários católicos. Quando Hitler e Mussolini
invadiram a Iugoslávia, eles permitiram a criação de uma Croácia Independente
sob o comando do líder fascista Ante Pavelic. Os croatas eram católicos e se
consideravam arianos. Sob seu reinado de terror iniciou-se uma limpeza étnica
na região. Então, 487 mil sérvios, 30 mil judeus e 27 mil ciganos foram
assassinados barbaramente pelos bandos fascistas de Paveli. À frente desses
bandos sanguinários estavam os padres franciscanos. O Vaticano imediatamente
reconheceu o novo Estado e Pio XII se referiu a ele como “posto avançado do
cristianismo nos Bálcãs”. Uma das eminências pardas daquele regime de terror
era o bispo Stepinac, que acabou sendo beatificado por João Paulo II em 1998.
Em
1942 o Papa já tinha todas as informações sobre o projeto de “Solução Final”.
Operação que visava eliminar judeus, ciganos e eslavos da Europa. Entre 1933 e
1944 mais de seis milhões de judeus foram assassinados nos campos de
extermínios nazistas. Depois de forte pressão das forças aliadas, e de muitos
católicos e judeus, Pio XII preparou uma homilia de Natal que visava denunciar
esta situação. Para decepção geral ela acabou sendo uma declaração inócua que
nem ao menos teve a coragem de usar as palavras, judeu, genocídio e nazismo. Em
setembro de 1943, quando a própria Roma caiu sob ocupação militar alemã, a
“solução final” chegou às portas do Papa. Começou, então, o aprisionamento de
judeus e oposicionistas. Caminhões carregando homens, mulheres e crianças
percorriam as ruas vizinhas ao Vaticano. Muitas igrejas começaram a abrigar os
judeus, especialmente os convertidos ao catolicismo. Mas, nenhuma conclamação
pública foi feita para que os católicos se opusessem às deportações e o
massacre de milhares de cidadãos italianos.
Ciente
da boa vontade do Papa, o embaixador alemão enviou para o seu chefe uma carta
na qual afirmava: “O papa, embora sob pressão de todos os lados, não se
permitiu ser levado a uma censura expressa da deportação dos judeus de Roma.
Embora deva saber que tal atitude será usada contra ele por nossos adversários,
mesmo assim o papa fez tudo o que era possível para não prejudicar as relações
com o governo alemão”. Naqueles dias fatídicos, a preocupação de Pio XII não
era com as famílias italianas deportadas, ou com a cidade ocupada pelos
bárbaros nazistas, mas com os partisans que lutavam pela libertação da Itália.
Temia que uma abrupta saída dos alemães pudesse deixar a cidade nas mãos da
resistência comunista. “Os alemães, afirmou ele, pelo menos, haviam respeitado
a cidade do Vaticano e as propriedades da Santa Sé em Roma”. A sorte de Pio XII é que Deus não existe,
pois se existisse o fulminaria com um raio diante de tal heresia.
Em
23 de março de 1944 um grupo de guerrilheiros atacou um comando alemão e matou
33 invasores. Este ato heróico foi duramente criticado pelo Vaticano e definido
como terrorismo. A resposta alemã foi assassinar friamente 335 italianos. A
Santa Sé simplesmente se lastimou pelas pessoas sacrificadas “em lugar dos
culpados”. Em outras palavras, o Papa
não se oporia se os fuzilados fossem os membros da resistência italiana.
Quando, finalmente, Roma foi libertada, o Sumo Pontífice enviou um singelo
pedido, mui cristão, ao alto-comando das Forças Aliadas na Itália no qual dizia: “O papa espera que não haja soldados
pretos (quer dizer negros) entre as tropas aliadas que ficarão aquarteladas em
Roma depois da ocupação”.
Nazistas
sim, soldados negros não. Neste caso a preocupação do Santo Papa não eram as
propriedades do Vaticano e sim a virgindade das moças italianas. A hecatombe
universal não foi suficiente para remover os preconceitos raciais do representante
de Deus na terra. No imediato pós-guerra estabeleceu-se uma sólida aliança
entre o Vaticano e o imperialismo norte-americano. O primeiro, e mais sombrio,
resultado desta nova concordata foi a cobertura dada à fuga de inúmeros
criminosos de guerra nazistas para a América do Sul e Estados Unidos. Eles
ainda poderiam ser úteis na luta contra o comunismo.
Milhões
de dólares foram investidos na reorganização da Democracia Cristã, na Itália e
na Alemanha. Desmontada para ajudar o nazi-fascismo e agora reorganizada para
derrotar a esquerda socialista. Em 1949, o Papa determinou que os católicos não
devessem ser membros e nem votar nos Partidos Comunistas. Os padres estavam
autorizados a recusar os sacramentos a quem desobedecesse estas ordens. As
excomunhões se proliferaram por todo o mundo, inclusive no Brasil. O mesmo
Pacelli que advogou a colaboração de católicos e nazistas e o silêncio
obsequioso em relação aos crimes destes últimos, agora passava a defender uma
igreja politicamente ativa contra o comunismo; apoiando, inclusive, de maneira
irresponsável, o martírio pessoal dos seus bispos no Leste Europeu.
O
conservador Pio XII foi sucedido por três papas progressistas, João XXIII,
Paulo VI e João Paulo I que procuraram estabelecer algum diálogo com o mundo
socialista, incentivaram teólogos da libertação e defenderam certo ecumenismo.
Mas esta fase teve curtíssima duração, foi apenas de 1958 até 1978. João Paulo II retomou o ciclo conservador que
agora tem no Papa Bento XVI sua versão radicalizada. Dias difíceis podem
esperar os católicos progressistas do mundo. Diante deste quadro sombrio só nos
resta suplicar: “Que Deus nos proteja do Santo Padre!”
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